sexta-feira, 19 de março de 2010

ENTREVISTA BLOG SIRVA-SE



Cedi uma entrevista em janeiro de 2010 para o blog Sirva-se através do artista e fanzineiro Daniel Hogref.

Segue abaixo a entrevista.

Grão, você já é fanzineiro há um bom tempo, conta pra gente como você começou a se envolver com esse universo.
Desenho desde muito cedo, acho que desde os três ou quatro anos. Na escola, acho que na quinta série, eu e um amigo, Marcelo Viegas, começamos a fazer um jornalzinho escolar que não foi para frente, o nome era Óia, tipo uma sátira da Veja com caricatura dos professores, alunos, este tipo de humor escolar. Depois, com uns 16 anos andava com uns punks do ABC e fiz meu primeiro fanzine que se chamava Inconformados. A tiragem foi mínima, uns cinco ou seis…

Meu primeiro fanzine sério foi por volta de 1995, o The Answer em parceria com o Viegas, o mesmo da revista Óia, hoje editor da revista 100% Skate, e parceiro no blog Zinismo. Depois, fiz dois fanzines de contos, um se chamava Histórias para ler no banheiro e era uma coletânea de contos do pessoal do “Udigrúdi” do ABC e durou três edições. O outro se chamava 333 e era um fanzine somente de contos meus, durou seis edições. Esses dois fanzines foram idealizados e publicados entre 1998 e 2000.

E o que aconteceu que te fez ficar parado por 10 anos?
Na verdade em 2000 eu saí do trampo onde eu xerocava os fanzines clandestinamente e nesta mesma época, por coincidência ou não, comecei a tocar em bandas e me dedicar mais à pintura. Além disso, a Internet começava a ficar mais acessível, então os textos ou desenhos que fazia, divulgava na rede (fotolog, blogs, etc). Porém chegou uma hora em que senti falta de fazer algo mais útil, e não ficar só divulgando minhas coisas. Havia também a vontade de fazer algo coletivamente. Foi aí que surgiu a idéia do blog Zinismo. Na verdade eu já vinha conversando com alguns amigos sobre a intenção comum em fazer um zine virtual que pudesse agregar a escrita com as tecnologias de mídia (vídeo, música, etc.) e o blog foi o modo de concretizar isso.


O que te animou a lançar o zine Manufatura?

Teve uma época em que estava pintando demais e fiquei pensando na utilidade daquilo tudo, minhas paredes estavam cheias de quadros… Fiquei me sentindo meio estranho com tudo aquilo. Percebi que deveria me dedicar mais às ilustrações, pois além de ocuparem menos espaço, são meios mais “democráticos” e mais fáceis de serem reproduzidos e enfim, divulgar a mensagem ou a viagem que eu pretendia com as imagens feitas. Mais ou menos nesta época comecei a pensar que os desenhos, como qualquer coisa que fazemos, nunca são neutros. Sempre que alguém vê ou consome algo que você faz, você passa algo nem que seja de forma inconsciente. Foi aí que comecei a prestar mais atenção no que fazia e assim surgiram as duas seqüências de desenhos que formaram o Manufatura. Atualmente não consigo fazer um desenho solto, faço algo, um símbolo, ou um personagem… Depois o deixo lá, maturando. Volto e complemento algo e assim vão formando-se seqüências de ilustrações. Bem, prontas as seqüências senti vontade de colocá-las na devida ordem e disponibilizá-las de forma que as pessoas pudessem ter a mesma sensação (ou não) que tive ao complementar a seqüência de desenhos. O veículo ideal foi o fanzine. Poderia até ter tentado fazer uma animação, mas acho importante o intervalo entre uma página e outra para o cérebro captar algumas nuances.


Algo que percebi como bem forte nesse seu trabalho foi o uso da madeira, mesmo que desenhada. Tem gente de madeira, objetos de madeira e até nuvem de madeira, parece até meio que uma obsessão! Qual é a sua com a madeira? O que ela significa pra você?


Sempre gostei das hachuras nos desenhos e teve uma época em que comecei a carregá-las mais, fazer algo mais grosso e marcado, pirava nos efeitos de xilogravura. Paralelo a isso, na pintura, comecei a fazer algo mais cubista, resumindo as formas. Juntando tudo isso, vi que as coisas que eu estava fazendo vinham ganhando naturalmente esse aspecto de madeira, daí comecei a investir em cima desse estilo mesmo.
Na real, a madeira tem vários significados para mim que foram mudando conforme fui envelhecendo. Ela representa, por exemplo, o que é rústico e antigo, me lembra valores esquecidos, como a honra e a honestidade. Por outro lado quando pinto quadros, costumo fazer um processo de síntese de idéias. Vários rascunhos dão origem a um desenho ou símbolo final e essencial. De certo modo isso se relaciona com o processo de escultura na madeira que considero um processo muito trabalhoso e solene. Ninguém faz algo na madeira se não tiver certeza do que é importante, pois dá muito trabalho. Para firulas efêmeras temos o plástico. Além disso, meu avô era carpinteiro, será que é genético? Não sei,pode ser…

Você faz também umas perspectivas meio estranhas, umas coisas meio irreais, me lembram de longe o M.C. Escher. É uma influência pra você? Quem mais você citaria como influência?
Na verdade, conheci os trabalhos do M. C. Escher por meio de um amigo que notou alguma semelhança com meus desenhos e veio me mostrar. E como não poderia deixar de ser, tornou-se uma influência imediata. Gosto do tipo de obsessão e respeito que ele tem pela ilustração. Aliás, com a ilustração tenho uma influência meio ampla, dependendo até de que tipo de material que uso. Na ilustração em preto e branco, gosto do Crumb, Will Eisner (das HQs), mas para mim, o mestre mesmo nas ilustrações é o Gustave Doré, imbatível. Já na pintura gosto de muitas coisas distintas e acho que elas me influenciam sutilmente por motivos diferentes. Por exemplo, gosto do modo como os artistas russos (da época da revolução comunista) transmitiam o máximo de informação economizando em cores e signos. Também gosto dos movimentos de um pintor como Francis Bacon e da impressão que arte óptica causa nos observadores. É um caldeirão de misturas e influências.

Você começou fazendo zines sobre música e contos, com conteúdo escrito, e o Manufatura traz só ilustrações. O que você acha que muda de uma linguagem pra outra?
Quando eu escrevo contos ou qualquer tipo de texto, não há muita variação entre o que eu penso e o que as pessoas vão entender. Já com as ilustrações, esse entendimento fica mais aberto a interpretações pessoais, um recurso que procurei explorar no Manufatura.

Já vi gente dizer que por ser feito em Xerox, o fanzine perde o valor artístico. O que você acha disso? Você acha que suas ilustrações tem menos valor xerocadas do que se fossem feitas em serigrafia, por exemplo?
Depende. Com relação ao Manufatura, quando fiz o desenho em preto e branco e cheio de hachuras, já imaginava que o tipo ideal de reprodução seria o xerox. Se fosse para fazer em serigrafia, faria uma outra linguagem diferente e não sequencial, provavelmente com cores chapadas. Mas temos que pensar também no objetivo das coisas que fazemos, se fizesse em serigrafia aumentaria demais o custo de tudo e teria que vender por um preço mais salgado e acabaria encalhando minha produção, e para o momento era a última coisa que gostaria que acontecesse. Penso que o ilustrador tem que buscar a harmonia entre a técnica e o objetivo e tomar cuidado para não pensar no suporte apenas como forma de valorizar seu trabalho, a não ser que haja demanda e compradores para isso, é claro! Temos que pensar na diferença entre o valor artístico e o financeiro, e, como vivemos em uma sociedade onde o que comanda é o financeiro, é natural que essas idéias se confundam em nossa mente a toda hora. Mas aí, o Manufatura é de graça, mas isto significa que ele vale nada, ou justamente o contrário?

De um tempo pra cá comecei a ver zines mais trabalhados, feitos com um papel melhor, com cortes e formatos diferenciados, tiragem limitada, algo bem mais artístico mesmo. Você acha que isso pode ser um caminho pra resistência dos fanzines impressas nessa era digital?

Sem dúvida acho que esse é o caminho. Quando o Zinismo fez um ano, escrevi justamente sobre isso. Com a facilidade de se publicar coisas na internet, a publicação de um fanzine é um ato político, algo que alguém resolveu registrar de modo independente. A internet é rápida e barata, mas as informações se perdem muito facilmente. E quanto aos formatos e tiragem, quem for ligeiro e tiver esta percepção, certamente vai nesse caminho de caprichar mesmo na sua produção e obter diferenciais, embora isso nem seja tanto novidade, pois nos anos 90 já havia zines com capas feitas, por exemplo, em xilo.


Fazer capa de CDs é sonho de muito moleque. Você já fez capas de várias bandas do underground nacional, incluindo o clássico split “Faces de Terceiro Mundo”. Conta ai como é que rolaram esses contatos e o que tem de bom e ruim em trabalhar nesse meio.

Esses contatos rolaram muito através dos zines que fazia e também porque, além de tocar em algumas bandas, sempre fui muito em shows e tal. Mas hoje em dia, creio que a internet também é um caminho legal, isso ajuda a “carimbar” seu nome. O legal de ter o trabalho impresso, seja em CDs, shapes e revistas, é que você passa seu trabalho pra frente, multiplica sua idéia, o ruim é que não rola sempre!

Já que você é especialista no assunto, cita alguns zines interessantes que estão sendo feitos pelo Brasil afora.
Na verdade se me declarasse especialista no assunto eu estaria sendo injusto com muita gente que não ficou dez anos sem fazer zine e certamente mereceria ser malhado em praça pública! Enfim, se há seis meses você me perguntasse se ainda existem zines de papel no Brasil eu ficaria em dúvida… Mas quando voltei a publicá-los, percebi que tem muita gente fazendo com que esta cultura permanece viva e que praticamente só tem acesso a ela quem também faz fanzine ou ainda, quem corre atrás, faz muita questão. Recebi alguns zines neste tempo e acho que não poderia deixar de citar o Aviso Final, que tem quase 20 anos dedicados à causa. Faz tempo que não leio, mas também gosto do Antimídia, um zine que o povo gosta de malhar, mas que tem muito crédito por ser de graça, ter uma tiragem enorme e muita informação relevante. Outro fato que achei legal foi o de perceber que tem gente fazendo fanzines mais voltados à arte, como o Quase e o Subsolo – Ruas do ABC, que é dedicado à arte de rua e pixação.

Então é isso cara, obrigado pela atenção! Espaço aberto pra falar o que quiser.

Se as portas não se abrem, que tal criar novas portas???

Este é o link original da entrevista.

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