segunda-feira, 14 de outubro de 2013

CADERNOS DE MACEIÓ




Em abril deste ano (2013) passei 7 dias em Natal ( RN ) e tive neste uma rica estadia em termos de vivência, trocas culturais e na sedimentação da amizades (algumas já iniciadas a partir de trocas de cartas, emails e etc).

Logo que retornei desta viagem para São Paulo comecei a pensar em qual seria o próximo destino tendo em vista que teria umas semanas de folga no segundo semestre. Não foi muito difícil decidir que iria para Maceió, no estado de Alagoas, local onde passei cerca de oito dias no início de setembro.

A escolha por Maceió se deu por vários motivos. O primeiro foi o de que um dos meus grandes amigos (o artista e zineiro) Daniel Hogrefe morou por lá, e volta e meia nossos assuntos se bandeavam para aqueles lados. A partir desta amizade acabei por conhecer e me tornar fã de um dos melhores blogs de cultura do Brasil, o Sirva-se, representado em Maceió por uma série de amigos e capitaneado pela figura de Luís “Buzugo”, inquieto agitador cultural da cidade. É obvio que pesou também em minha escolha o fato do litoral de Alagoas ser um dos mais belos do mundo, onde poderia além de nadar, pintar e desenhar algumas paisagens no meu caderno.



Alguns meses antes de minha viagem, tentamos articular uma oficina e uma palestra sobre zines em um equipamento cultural da cidade que acabou não se viabilizando por questões diversas.  Por sorte, neste período haveria um evento em comemoração dos seis anos do espaço “Quintal Cultural”. O espaço situado na periferia de Alagoas é palco de resistência e ativismo cultural recebendo muito das manifestações autênticas da cultura local e também de outros estados. 
 



Foi neste contexto, ao lado de apresentações diversas como a do grupo de reggae Macaco Sound System e do rap da Família Todos Um, que fiz uma roda de conversa com o tema “Panorama dos zines e publicações independentes”. Graças a este evento pude conhecer o outro lado da cidade que geralmente é escondido dos visitantes, além de travar contato com parte das pessoas que fazem a cultura ou cena independente acontecer, através do punk, do hardcore, do rap, do reggae e também é claro dos produtores de zines locais.

Neste evento conheci pessoalmente Pedro Lucena, um brilhante artista local. Nas conversas com Pedro tive um contato mais apurado com seu trabalho que entre outras influências dialoga com o artesanato produzido na Ilha do Ferro em Alagoas (localidade que certamente quero conhecer em um futuro breve). Um assunto que conversamos e que me trouxe certa inquietação pessoal foi sobre as manifestações culturais típicas do nordeste, tão ricas e autênticas. A inquietação pessoal se deu ao questionar-me qual seria a cultura típica e regional da região e época em vivo, a São Paulo contemporânea. O assunto dá pano pra manga, poderia ser tema uma para postagem exclusiva, ou até mesmo uma tese.

 

Uma outra face desta viagem foi a de alguns passeios por lugares mais turísticos. Um dos passeios que fiz foi até a cidade de Piranhas, na divisa com Sergipe. Nesta localidade foi morto Lampião e outros cangaceiros dando origem à emblemática foto das suas cabeças cortadas. Pude observar que é paradoxal e delicado o entendimento da questão do cangaço na região. Por vezes Lampião é visto como vilão, por vezes como herói, não me cabe fazer juízos, mas se for observado mais atentamente o panorama político do estado e as diferenças sociais marcantes, começam a aparecer algumas pistas que podem auxiliar no entendimento desta questão. 

 

  
Desenho baseado na foto mítica
das cabeças cortadas do bando de Lampião.
Tive o privilégio de visitar alguns lugares paradisíacos: praias, o Rio São Francisco, formações rochosas, cânions e fatiados. Fiz alguns desenhos e muitas anotações e reflexões em meus cadernos. As formações rochosas em especial puderam encaminhar alguns pensamentos que já tinha e que trata sobre a relação entre as formações e elementos naturais geográficos e a criação das mitologias. Uma parte destas discussões será publicada no meu novo zine (Mitologia do Descompasso). A foto e a aquarela abaixo tentam representar um pouco sobre isso, a foto de um paredão no Rio São Francisco e uma interpretação das figuras que consigo imaginar nestas formações.

 

  




 
Esta minha segunda viagem ao nordeste do Brasil me fez pensar especialmente no quanto podemos crescer ao nos deslocarmos de onde vivemos para outros lugares e conhecer outras realidades avaliando as semelhanças e diferenças dentro de um mesmo território (a que resolveram denominar Brasil).

 Outra percepção que tive foi a respeito da cultura punk/hc hardcore, e suas expressões musicais ou impressas (zines) que conseguem romper paradigmas, possibilitando-me e dando-me motivos para conhecer novas pessoas, outros lugares e o mais importante: estabelecer vínculos de amizade e fraternidade, superando barreiras de qualquer espécie.

Agradeço a todos que encontrei na minha estadia, em especial ao Luís Buzugo, Hew Barreto, João Marcelo Cruz e Bárbara Pacheco pelo suporte incrível e generoso que me deram.

  

  

  
 Carranca.