domingo, 2 de março de 2014

MITOLOGIA DO DESCOMPASSO - ALQUIMIA MENTAL


 No início de 2013 resolvi fazer uma narrativa ilustrada que investigasse as figuras típicas de madeira que aparecem em minhas produções (principalmente telas). O resultado foi o livro/zine que denominei Mitologia do Descompasso.

Ao resolver tratar sobre Mitologia dois caminhos me pareciam possíveis. Um era o caminho do estudo e leitura de teóricos que investigaram e estudaram o tema e o outro era seria um caminho mais intuitivo. Optei pelo segundo caminho, que considerei mais prático, e deixei que os desenhos fossem surgindo e contando a história, formando a narrativa e construindo-a ponto a ponto.

Desta forma, evitei leituras diretas sobre o tema Mitologia como recurso que forçasse a criação de uma definição particular sobre os significados destes seres.

Durante o feitio da narrativa percebi que os personagens poderiam ser construídos imaginando blocos geométricos e que estes poderiam ser agrupados segundo os formatos de suas cabeças em três tipos: triangulares, cilíndricos e retangulares.

Logo o andamento da narrativa sugeriu a opção de segregar tais figuras em grupos de personagens de acordo com estes formatos, como uma metáfora de algo real: a característica dos seres humanos em segregar se pelos mais diversos motivos, religiosos, étnicos, sociais e etc.

Já havia concebido que um dos ápices da Mitologia do Descompasso seria a parte chamada “religare” onde os seres conseguiriam se reconectar às suas “essências” ou “origens” deslocando seus corpos e encaixando-se nas nuvens (ou céus) através do formato de suas cabeças em um processo de auto-reconhecimento. A escolha o céu ou das nuvens decorreu do fato de que percebi que muitas culturas elegem os elementos naturais “inatingíveis” como símbolos místicos, como é o caso dos trovões, montanhas, rios e etc.

Em um segundo momento, imaginei que poderiam ser criadas cenas anteriores ao “religare” que mostrassem uma tensão possível na impossibilidade de combinação entre o formato das cabeças dos personagens e os encaixes disponíveis. Surgiram assim três imagens pintadas inicialmente em óleo e depois recriadas em bico de pena para fazerem parte da narrativa básica.

Em um terceiro passo imaginei que deveria haver em um momento entre estas cenas e imediatamente anterior ao “religare” que representassem uma conciliação, um momento de entendimento entre os três grupos de personagens em busca talvez das semelhanças ou pontos de convergência dentro de suas diferenciadas crenças, filosofias, etnias ou o que quer que denote o formato de construção de seus corpos.





Eis que surgiu a pintura abaixo que procura representar este momento. Quando concebi esta tela tive um trabalho considerável ao tentar definir que figura iria aparecer no céu, tendo em vista o conflito anterior e as cenas da parte conhecida como “religare”. A solução foi tentar criar um ícone que contemplasse simultaneamente os três tipos geométricos que permitiam o encaixe das cabeças.


Terminados os desenhos e a narrativa lancei o zine Mitologia do Descompasso no final de 2013.

Um tempo após começa a circular um vídeo na internet. Tratava-se de uma “pegadinha” em que um homem trajado como um muçulmano busca ajuda para trocar um pneu furado sem sucesso. Surge um jovem incrivelmente disposto a resolver o problema. Observem a tatuagem que ele tem no braço.


A tatuagem, que tem os mesmo princípios da criação da imagem que aparece no céu do quadro de conciliação (segundo o rapaz do vídeo) representa a “alquimia mental”, ou como ele define: transformar uma situação negativa em positiva.

Mediante o vídeo considero que o método intuitivo se mostrou eficaz.