Ao resolver tratar sobre Mitologia dois caminhos me pareciam
possíveis. Um era o caminho do estudo e leitura de teóricos que investigaram e
estudaram o tema e o outro era seria um caminho mais intuitivo. Optei pelo
segundo caminho, que considerei mais prático, e deixei que os desenhos fossem
surgindo e contando a história, formando a narrativa e construindo-a ponto a
ponto.
Desta forma, evitei leituras diretas sobre o tema Mitologia como
recurso que forçasse a criação de uma definição particular sobre os
significados destes seres.
Durante o feitio da narrativa percebi que os personagens
poderiam ser construídos imaginando blocos geométricos e que estes poderiam ser
agrupados segundo os formatos de suas cabeças em três tipos: triangulares,
cilíndricos e retangulares.
Logo o andamento da narrativa sugeriu a opção de segregar
tais figuras em grupos de personagens de acordo com estes formatos, como uma metáfora
de algo real: a característica dos seres humanos em segregar se pelos mais
diversos motivos, religiosos, étnicos, sociais e etc.
Já havia concebido que um dos ápices da Mitologia do
Descompasso seria a parte chamada “religare” onde os seres conseguiriam se
reconectar às suas “essências” ou “origens” deslocando seus corpos e
encaixando-se nas nuvens (ou céus) através do formato de suas cabeças em um
processo de auto-reconhecimento. A escolha o céu ou das nuvens decorreu do fato
de que percebi que muitas culturas elegem os elementos naturais “inatingíveis”
como símbolos místicos, como é o caso dos trovões, montanhas, rios e etc.
Em um segundo momento, imaginei que poderiam ser criadas
cenas anteriores ao “religare” que mostrassem uma tensão possível na
impossibilidade de combinação entre o formato das cabeças dos personagens e os
encaixes disponíveis. Surgiram assim três imagens pintadas inicialmente em óleo
e depois recriadas em bico de pena para fazerem parte da narrativa básica.
Em um terceiro passo imaginei que deveria haver em um
momento entre estas cenas e imediatamente anterior ao “religare” que
representassem uma conciliação, um momento de entendimento entre os três grupos
de personagens em busca talvez das semelhanças ou pontos de convergência dentro
de suas diferenciadas crenças, filosofias, etnias ou o que quer que denote o
formato de construção de seus corpos.
Eis que surgiu a pintura abaixo que procura representar este
momento. Quando concebi esta tela tive um trabalho considerável ao tentar
definir que figura iria aparecer no céu, tendo em vista o conflito anterior e
as cenas da parte conhecida como “religare”. A solução foi tentar criar um
ícone que contemplasse simultaneamente os três tipos geométricos que permitiam
o encaixe das cabeças.
Terminados os desenhos e a narrativa lancei o zine Mitologia
do Descompasso no final de 2013.
Um tempo após começa a circular um vídeo na internet.
Tratava-se de uma “pegadinha” em que um homem trajado como um muçulmano busca
ajuda para trocar um pneu furado sem sucesso. Surge um jovem incrivelmente disposto
a resolver o problema. Observem a tatuagem que ele tem no braço.
A tatuagem, que tem os mesmo princípios da criação da imagem
que aparece no céu do quadro de conciliação (segundo o rapaz do vídeo)
representa a “alquimia mental”, ou como ele define: transformar uma situação negativa
em positiva.
Mediante o vídeo considero que o método intuitivo se mostrou
eficaz.